
Edifício onde funciona o esproheliógrafo.
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O Espetroheliógrafo
Deem-me o céu azul e o sol visível” é um
verso do poema “O dia deu em chuvoso”,
de Fernando Pessoa. Sem dúvida, um
céu azul logo pela manhã é uma enorme
satisfação para quem observa o sol. Mas as
nuvens, muitas vezes, testam a nossa paciência.
É preciso ter tudo preparado, subir
os olhos ao céu com óculos apropriados,
não deixar passar aquela oportunidade,
que pode ser única nesse dia. Se o dia deu
em chuvoso, ou simplesmente deu todo
em encoberto, resta luminosa a esperança
para o dia seguinte. Em 2012, conseguimos
327 dias de observações; em 2013, 321
dias. As faltas são devidas, unicamente, a
condições atmosféricas adversas.
Sem chuva, abre-se a cúpula que protege o
celóstato. Este é constituído por dois espelhos,
que posicionados nas posições corretas
para cada dia, ref letem a luz solar
para o interior de uma sala, através de
uma objetiva de projeção. Seguem-se a
primeira fenda, os filtros, a lente colimadora,
a rede de difração, a câmara CCD, o
computador. Todas estas peças óticas constituem o espetroheliógrafo
digital que funciona desde 2007. Com a
colaboração do Observatório de Ondrejov, transformou-
-se em digital o espetroheliógrafo analógico, em funcionamento
desde 1926.
Durante 80 segundos, obtêm-se três mil imagens do espetro
solar. Com o flat field removem-se as não homogeneidades
espetrais, provocadas por poeiras e defeitos do
caminho ótico até à câmara e na própria câmara, e com
programas adequados, constroem-se os espetroheliogramas
– imagens monocromáticas do sol sensíveis a diferentes
parâmetros termodinâmicos da atmosfera solar.
Diariamente - sábados, domingos e feriados incluídos -,
fazem-se observações na risca H-alfa do hidrogénio e na
risca do cálcio ionizado. Com a observação no hidrogénio
obtemos três tipos de imagens, o H-alfa cont (λ= 6558.7 Å),
dopplergrama (λ= 6562.8 Å) e H-alfa (λ= 6562.8 Å) e no
cálcio ionizado obtemos imagens Call K1v (λ= 3932.3 Å)
e Call K3 (λ= 3933.7 Å).
Considera-se no Sol um núcleo com temperaturas muito
elevadas, segue-se uma zona de radiação, depois uma zona
de convecção, a fotosfera e a cromosfera. Com o K1v observamos
a fotosfera e as manchas solares que aí ocorrem.
Com o K3 e H-alfa observamos a cromosfera em diferentes
níveis. No K3 aparecem as fáculas, no H-alfa os filamentos,
as erupções, as regiões ativas, as protuberâncias.
No dopplergrama observa-se o movimento de rotação do
Sol e permite estudar as velocidades das regiões ativas.
O Observatório de Paris possui, em Meudon, um espetroheliógrafo
idêntico ao de Coimbra. A base de dados
BASS2000 de Meudon contém as observações solares dos
dois Observatórios, sendo uma das bases de dados sobre o
sol mais utilizada em todo o mundo, com cerca de duas mil
visitas por dia. Estes dados são utilizados para preparar
observações com telescópios de grande resolução (telescópios
das Canárias, SOHO, SDO, etc.), para o estudo
do ciclo solar, das regiões ativas e sua evolução, e para a
deteção automática de fenómenos solares. Como os instrumentos
são idênticos, os espetroheliogramas podem
ser comparados e, como as condições atmosféricas são
diferentes, complementados, conseguindo-se um maior
número de observações. Desde um de janeiro até 31 de
julho 2014, um semestre com condições atmosféricas
adversas, o Observatório de Coimbra conseguiu observações
em 179 dias e o Observatório de Meudon, em 132
dias, havendo apenas 13 dias sem observações.
Esta colaboração entre os observatórios de Coimbra
e de Meudon remonta a 1907: “We can probably
say that the col laborat ion between Coimbra and
Meudon Observatories is among the first and longest
scientif ic programs, long before the birth of the idea
of a European Union.”
(Z. Mouradian, A. Garcia, The Physics of Chromospheric
Plasmas, ASPCS, vol 368, 3-14). Quando, nesse mesmo
ano, Costa Lobo, do Observatório de Coimbra, visita o
Observatório de Meudon, decide construir em Coimbra
um espetroheliógrafo idêntico ao de Meudon, construído
em 1892 por H. Deslandres, recebendo deste todo o apoio.
O espetroheliógrafo teve a sua origem no estudo de
protuberâncias solares durante eclipses solares totais,
e na utilização da espectroscopia solar descoberta por
J. Fraunhofer em 1814 e na invenção da fotografia por
N. Niépce, em 1826. Iniciou-se, então, em 1912, a construção
de alguns elementos para o espetroheliógrafo de
Coimbra, mas a Primeira Guerra Mundial interrompeu
essa colaboração e, por isso, só a 12 de abril de 1925 foi
obtido o primeiro espetroheliograma em Coimbra. No
dia um de janeiro de 1926, deu-se início a um programa
de rotina de observações da cromosfera solar usando a
risca Call K3, seguindo-se depois uma rotina em Call K1v
e, em 1989, observações em H-alfa.
Entre 1988 e 1992 deu-se uma grande remodelação na
ótica e na mecânica do espetroheliógrafo com novos espelhos
no celóstato, novas lentes, filtros e uma rede de difração
a substituir os prismas. Porém, a dificuldade em obter
reveladores e fixadores, o preço elevado das películas sensíveis
ao vermelho feitas especificamente para este trabalho,
a necessidade de fazer a posteriori a digitalização
das observações, o processo lento da sua colocação na
BASS2000, e as condições de trabalho pouco favoráveis
à saúde dos observadores, levaram à necessidade de aplicar,
em 2007, a técnica digital.
A partir da base de observações solares com início em 1926,
realizamos trabalhos sobre a posição, área e morfologia
das manchas, fáculas, protuberâncias, filamentos e rede
cromosférica, evolução de regiões ativas e sua distribuição
espacial durante os ciclos solares, e assimetria norte-sul
nestes vários fenómenos. Com o projeto Coimbra Observatory
Solar Information System (COSIS) faz-se o processamento
automático de imagens e o reconhecimento de manchas e
fáculas. Através do programa educacional, Sun for All, o Sol
chega a todas as escolas secundárias. Para além disso, temos
visitas de estudo de alunos de todos os níveis de ensino.
Pergunto-lhes: Porque é tão importante estudar o Sol?
Porque é tão importante estudar a sua evolução?
* Adriana Garcia, Técnica Superior do Observatório Geofísico e Astronómico da
Universidade de Coimbra
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